II



Fui um padre devoto




Ao ordenar-me padre, em 1949, senti-me no dever de ir à sua basílica cantar uma missa, por sinal a segunda porque cantara a primeira em minha terra natal. Nesse ensejo, adquiri uma sua imagem, fac-símile, benta pelo padre superior do convento, destinada por mim a me servir de companhia e penhor constante das bênçãos celestiais em favor do meu sacerdócio. Entranhadamente devoto da Senhora Aparecida, oferecia, como presente, uma sua imagem fac-símile, a todas as noivas por mim abençoadas no casamento. Completados dez anos de sacerdócio, recebi, como uma verdadeira promoção, minha transferência para Guaratinguetá, a cidade mais próxima de Aparecida. Localizada à margem direita do Rio Paraíba, no Estado de São Paulo, Guaratinguetá, dista, pela Via Dutra, aproximadamente, 220 km do Rio de Janeiro, 185 de São Paulo e 8 de Aparecida.




Fui nomeado pároco da novel paróquia de "Nossa Senhora da Glória", no Bairro do Pedregulho. Sua igreja, que de tão pequena, o povo a cognominara de "igrejinha", não oferecia condições para, realmente, ser uma matriz paroquial. Decidi, por isso, construir um vasto templo. Constituíra-se-me imensa prerrogativa edificar essa obra consagrada à Virgem Maria, e sonhava com um templo majestoso erguido naquele outeiro do Pedregulho a olhar a "Basílica Nacional da Padroeira", plantada na colina de Aparecida. Lá do alto da torre da minha matriz, fiquei muitas vezes a contemplar a "Basílica da Rainha do Brasil"...



Eu odiava os evangélicos, aos quais chamava de hereges por combaterem "Nossa Senhora". Nesse tempo, apareceu lá em Guaratinguetá, um pastor. No seu desejo de esclarecer o povo, contratou, numa das emissoras radiofônicas locais, um horário para um programa evangélico. Muitos católicos se descontentaram com as suas explicações. Um meu colega, o clérigo Oswaldo Bindão, no seu programa de rádio, decidiu responder ao pastor. Estabelecida a polêmica, a cidade inteira se transformou em estádio para assistir a contenda. O coitado do padre pediu água em menos de uma semana. Evidentemente, qualquer jovem das nossas Escolas Bíblicas Dominicais, com a Bíblia na mão, põe qualquer padre a correr...



Nós, os padres em Guaratinguetá, estávamos acuados, arrasados, com o fracasso do colega! E na certeza absoluta de que, se qualquer um de nós fosse responder ao pastor, cairíamos no mesmo ridículo. O Pastor João de Deus Soares prosseguia dando os seus esclarecimentos. Nessas alturas, o assunto girava em torno de Maria, de cuja face o pregador retirava toda a caiação ignóbil que à Mãe de Jesus impôs o catolicismo ao longo dos tempos. Naquela oportunidade, encerrara eu, com uma retumbante procissão, as festividades da padroeira da minha paróquia. O Pastor Evangélico botou água na fervura do meu entusiasmo, criticando o meu desfile mariano e citando Isaías (45:20). Transtornei-me de cólera! Noutro dia, o Pastor resolveu apresentar aos seus radiouvintes os pontos coincidentes entre a Diana dos efésios e a Aparecida dos brasileiros, à luz do relato de Atos dos Apóstolos 19:23-41. Nós não tínhamos força de argumento. E o jeito foi apelar para o argumento da força! E se demorássemos, perderíamos muitos dos nossos melhores fiéis...



A mentira, a calúnia, o achincalhe são os melhores argumentos para os covardes sem argumento. Incumbiram-me de resolver o problema. Apelei para a violência, comandando um batalhão de fanáticos. E, em menos de uma hora, num domingo à noite, foi destruído inteiramente, o templo do Pastor João de Deus Soares, lotado de pessoas participantes do culto. A Senhora Aparecida deve-me também este favor! No dia imediato, no programa "Marreta na Bigorna", da Rádio Aparecida, o clérigo Galvão, desatou uma gargalhada satânica e parabenizou os católicos de Guaratinguetá pela façanha... O arcebispo de São Paulo, congratulou-se vivamente comigo e, horas após o nosso encontro, declarou, por um grande jornal de São Paulo, que lamentava os fatos ocorridos em Guaratinguetá!



O clero católico é a hierarquia dos homens de duas caras!!! Dos refolhados!!! Estreitíssimas mais ainda se tornaram minhas relações com os padres responsáveis pela basílica de Aparecida, em cujo convento se fabricava, exclusivamente para o consumo interno, cerveja mui apreciada entre os reverendos.



No trato com os clérigos seculares, constatei a falta de amor fraterno entre eles. Supunha, todavia, que houvesse entre os regulares ou conventuais, como os franciscanos, jesuítas, dominicanos, salesianos, redentoristas. Engano! Entre estes últimos, que são os responsáveis pela basílica e de quem mais me aproximei, acontece a mesma carência, senão pior.



Lá dentro do seu convento, ao lado da "rainha" do Brasil, os padres se estracinham com ódio extremado. Os apelidos são os mais humilhantes. Havia lá o "padre Tortinho", o "padre Marreta", o "padre Aventura", o "padre Zoraide", o "Madame Fifi"... E de cada um havia um motivo especial indicado pelo próprio vocábulo...